sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO À TRANSFERÊNCIA EX OFFICIO PARA OS ESTUDANTES QUE PROVEREM CARGOS PÚBLICOS MEDIANTE CONCURSO.


A transferência ex officio é um instituto preocupante, visto que nem sempre tem sido justa no atendimento a devida política educacional que exige nosso ordenamento jurídico, no tocante ao direito à educação.
O instituto é regido pela Lei n.º 9.536/97 e no âmbito da Legislação Administrativa pela Lei nº 8.112/90.
A Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997 (DOU 12.12.1997), afirma:
Art. 1º. A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do artigo 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta.
Por outro lado a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 diz o seguinte:
Art. 99 – Ao servidor estudante que mudar de sede, no interesse da administração, é assegurada, na localidade da nova residência ou a mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independente de vaga.
O Supremo Tribunal Federal entende que congeneridade diz respeito à natureza jurídica das instituições, de modo que são congêneres, entre si, as instituições públicas e são congêneres, entre si, as instituições privadas. Portanto, só é possível a transferência segundo a relação pública/pública e privada/privada.
Esse entendimento foi firmado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.324-7/DF, nos seguintes termos:
UNIVERSIDADE – TRANSFERÊNCIA OBRIGATÓRIA DE ALUNO – LEI N° 9.536/97. A constitucionalidade do art. 1° da Lei n° 9.536/97, viabilizador da transferência de alunos, pressupõe a observância da natureza jurídica do estabelecimento educacional de origem, a congeneridade das instituições envolvidas – de privada para privada, de pública para pública -, mostrando-se inconstitucional interpretação que resulte na mesclagem – de privada para pública. (grifamos).
Após estas considerações há um aparente óbice à transferência o fato de que o servidor estudante tenha assumido um cargo em razão de concurso público, que a priori entende-se que infrinja o parágrafo único do art. 1º da lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997.
Há no caso infração direta à literalidade da lei, se concedida a transferência, mas não há ao direito, especialmente ao direito constitucional.
A exceção do caput do art. 1º da lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, o seu parágrafo único não foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual a questão pode ser enfrentada por qualquer instituição de ensino dando interpretação diversa ao discutir sus constitucionalidade, sem qualquer descumprimento de decisão da Suprema Corte, com eficácia erga omnes.
Em primeiro lugar, tem-se em mente que restringir os casos de transferência adotados pelas Universidades a certos ditames legais, é de constitucionalidade duvidosa, especialmente quando se exclui o direito de transferência aos que foram nomeados por concurso público.
Fazendo uma interpretação autêntica do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande Norte, que utiliza os mesmos parâmetros dos Servidores Públicos Federais, entende-se que ser nomeado em razão de concurso e ser transferido ex officio, tem a mesma base de informação jurídica administrativa, ou seja, trata-se de provimento de cargo público.
A vedação da lei assim, confronta-se com a autonomia universitária, bem como com o direito à educação e ao pleno emprego, com sede na Constituição Federal, destacando-se em primeiro lugar a autonomia universitária, verbis:
“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
No tocante a autonomia universitária (pasmem na Constituição do então regime Militar), comentando dispositivo correspondente vanguardista Pontes de Miranda, assim se pronunciou:
LIBERDADE DE CÁTEDRA
O art. 176 da CF 1967 c EC1 69 dizia:
Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.
VII - a liberdade de comunicação de conhecimentos no exercício do magistério, ressalvado o disposto no artigo 154. diz: Art. 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.]
Pontes de Miranda assim se expressa sobre a Liberdade de Cátedra:
14) LIBERDADE DE CÁTEDRA, FUNÇÃO DO ESTADO. — Fonte: a Constituïção de
1934, art. 15 onde se dizia:
“É garantida a liberdade de cátedra”.
Diante da Ciência, a atitude do Estado tem de ser de ativação, e não de intervenção nos métodos e nos critérios, pôsto que possa ser de intervenção na preferência dos setores das experimentações (aqui, a intervenção não fere a liberdade essencial ao pensamento científico). De modo nenhum se confunda o direito fundamental do indivíduo quanto à opinião com o direito transindividual e intrínseco que resulta da objetividade, supra- individual, da investigação da verdade, O Estado pode chamar a si as instituições de investigação científica, ir, até, à afirmação do direito individual de investigar e de opinar (princípio da liberdade de opinião ou da livre discussão), e cercar de garantias materiais extraordinárias o investigador: o que não lhe é dado fazer é negar a livre disponibilidade de espírito, indispensável à pesquisa e à meditação científica. Seria a absorção do processo gnosiológico pelo político, e não a realização do bem pelo Estado, O Brasil não anuiu em qualquer das duas restrições.
O Estado contemporâneo tem de ser educativo — cabe-lhe o cuidado máximo, de acôrdo com o seu fim valorizador do Homem, no ensino público, principalmente profissional nas seleç e orientações profissionais, na escolha e no preparo de chefes. Mas, se elimina a liberdade de pensar, ou a de cátedra, é um monstro. E o Leviathan de HOBBES. Em 1935 dizia o Presidente FRANKLIN D. ROOSEVELT: “Genuine knowledge demands freedom to pursue it” conhecimento genuíno exige a liberdade de pesquisa]. Repetimo-lo no mesmo ano (Comentários à
Constituïção de 193.4, II, 413). A liberdade de cátedra não é direito fundamental; pelo menos, ainda não no é. E garantia institucional. Não pode ser suprimida por lei ordinária. Não é preciso que haja direito subjetivo violado para que exista infração. O remédio jurídico processual é o mandado de segurança; se há prisão ou ameaça de constrangimento fisico, o habeas-corpus.(CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, F.. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional n° 1 de 1969. 3 Edição. Rio de Janeiro: Forense, págs 358-359. Tomo VI.) — grifos acrescidos —
Veja-se por oportuno o que diz a REVISTA JURÍDICA “VIA LEGAL”, pág. 35, Ano X, nº XI do Centro de Produção da Justiça Federal, verbis:
“Regras existem para serem obedecidas, mas podem ser flexibilizadas sempre que um interesse jurídico maior esteja em jogo.”
Quanto à educação e ao trabalho veja-se o texto constitucional, que os eleva à condição de direitos sociais, sendo ambos defendidos como direitos fundamentais pelo Ministério Público Nacional:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Não se pode, pois, impor a opção ao estudante entre renunciar ao emprego ou a educação, quando ele vier a passar em um concurso público, condição imposta pelo texto legal. Em casos como este não há prejuízos para a Administração Pública.
Ademais, no PROTOCOLO ADICIONAL A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS, se afirma que:
"1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que incluí a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita.

2. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados Partes comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem um adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho."(in http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-52.htm, acessado em 01 de janeiro de 2013)
 
Tratando-se portanto, de uma regra de direitos humanos tem força supralegal, nos termos definidos pelo Supremo TribunaL Federal.
O Min. Carlos Britto, no julgamento da ADI 1.721, publicada no Diário da Justiça de 29-6-07 afirmou que
Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.
É bom aqui lembrar que o direito a educação é elevado a categoria de direito humano, isto porque este se encontra inserto como direito fundamental no § 2º do art. 5º da Constituição da República, verbis:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Ora, o Brasil é parte no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinado em 31 de dezembro de 1999, entrando em vigor no plano doméstico com a publicação do Decreto nº 3.321 de 30 de dezembro de 1999(D.O.U. de 31.12.1999), donde obtemos as seguintes afirmações:
“1. Toda pessoa tem direito à educação.
...
c) O ensino superior deve tornar-se igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um, pêlos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito;”(Obra Coletiva. LEGISLAÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 430).
Noutro momento obtemos do art. XII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, o seguinte:
Artigo XII - Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios da liberdade, moralidade e solidariedade humana.
Tem, outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade.
O direito à educação compreende o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam proporcionar a coletividade e o Estado.
Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária.(in http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeadcl.htm).
Ainda deve-se considerar que a educação superior é o prolongamento da educação básica que se expressa na Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990, em seu art. , verbis:
Artigo 28
1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente:
a) tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos;
b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade;
c) tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e por todos os meios adequados;”(in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm)
Por outro lado, o acordo sobre tratado sobre direitos humanos são acolhidos no plano interno na condição de norma com hierarquia supralegal e abaixo da constituição, este é o posicionamento firmado pelo Ministro Gilmar Mendes, nos autos do HC 90.172, que tramitou no Supremo Tribunal Federal.(in http://www.stf.gov.br/ - DJ 17.8.2007).
Diante destas afirmações, pode-se afirmar o seguinte: as instituições de ensino superior pode garantir o direito à educação como direito fundamental, sem ofensa à Lei, pois o direito internacional relativo aos direitos humanos inserta-se no direito interno como norma supralegal, razão pela qual as universidades já que gozam de autonomia didático-científica, administrativa, obedecendo aos princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, deve observar a Constituição da Republica acima de todas as outras regras jurídicas de hierarquia inferior.
Finalmente cumpre ressaltar que não estamos só neste posicionamento, pois mesmo no Poder Judiciário já houve decisão neste sentido como se extrai da seguinte decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SERVIDOR PÚBLICO. NOMEAÇÃO POR CONCURSO. TRANSFERÊNCIA DE MATRÍCULA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. O servidor público nomeado, por aprovação em concurso, para exercer cargo ou função pública, no âmbito federal, estadual ou municipal, acarretando a mudança de domicílio, tem direito à transferência de matrícula para estabelecimento de ensino congênere, situado na sede do seu trabalho ou em localidade mais próxima .
2. Recurso especial conhecido e improvido.(RECURSO ESPECIAL Nº 262.911 - RN (2000/0058305-7) - Documento: 102404 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 23/09/2002).
Finalmente cumpre ressaltar que não estamos só neste posicionamento, pois mesmo no Poder Judiciário já houve decisão neste sentido como se extrai das seguintes decisões do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SERVIDOR PÚBLICO. NOMEAÇÃO POR CONCURSO. TRANSFERÊNCIA DE MATRÍCULA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. O servidor público nomeado, por aprovação em concurso, para exercer cargo ou função pública, no âmbito federal, estadual ou municipal, acarretando a mudança de domicílio, tem direito à transferência de matrícula para estabelecimento de ensino congênere, situado na sede do seu trabalho ou em localidade mais próxima .
2. Recurso especial conhecido e improvido.(RECURSO ESPECIAL Nº 262.911 - RN (2000/0058305-7) - Documento: 102404 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 23/09/2002).
E ainda:
“MEDIDA CAUTELAR N. 939/SC (97/0061072-1)
RELATOR O EXMO. SR. MINISTRO JOSE DELGADO
REQUERENTE GLAUCIA BAHIA DE BRITO
REQUERIDO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
ADVOGADOS DRS.ANTONICCELSOMELEGARI E OUTRO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSNO. RECURSO ESPECIAL- SERVIDOR PÚBLICO- ESTUDANTE T
1- Há de se considerar procedente medida cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso especial que visa modificar acórdão que negou a servidor estudante o direito de continuar matriculada em Universidade sediada em seu novo local de trabalho, cargo público assumido em decorrência de concurso público.
2- Situação peculiar em que a servidora fez concurso público no Estado de Alagoas para ingresso no serviço público federal do INSS. CIDADE onde estudava, o que foi designada, por ato de autoridade, a aceitar e tomar posse no referido cargo para o qual foi aprovada em FIonarianopolis, Eslado de Santa Catarina tudo no ano de 1995, 3. Medida cautelar cujo pedido se tem como procedente” – (julgamento unânime)
Brasília 18 de dezembro de 2007 (data do julgamento).
Neste passo dado as grandes polêmicas que ainda envolvem a matéria, transcrevo parte do acórdão que considero importante:
“Seria sumamente cruel, aliás, se não fosse assim, pois estaria o infeliz aprovado, que disputou a vaga em via de duríssimo diante da decisão entre desistir do curso em que se acha matriculado ou do cargo que está na iminência de assumir...
A idéia, por si só arrepia o bom senso. E não é isto obviamente que a lei quer, até porque não pode querer que a interpretação seda no ser oposto á sua literalidade.”.
Desta forma entendemos que a expressão concurso público fere o direito a educação e o direito ao trabalho, de sorte que deve a qualquer momento ser declarada inconstitucional pelo STF.
Quanto as outras formas de vedação entendemos que a lei é justa, pois no caso de assunção a cargo público por meio de livre nomeação, há a possibilidade de acordo entre o agente público responsável pelo ato administrativo de nomeação e o servidor/estudante a ser nomeado.
FRANCISCO VALADARES FILHO
ADVOGADO
PROFESSOR ADJUNTO – UERN